Wittgenstein e a Ignorância dos Filósofos do Passado

Filosofia

Na primeira edição inglesa do “Tractatus Logico-Philosophicus”, Wittgenstein solicitou que Bertrand Russell escrevesse uma introdução. Essa introdução tornou-se famosa por seu detalhamento e pela veia irônica do filósofo inglês. No entanto, Wittgenstein aparentemente não ficou muito satisfeito com o que Russell escreveu. De qualquer modo, temos um caso interessante de um mestre emitindo opiniões sobre uma obra clássica escrita pelo seu pupilo. Seria fascinante, por exemplo, se tivéssemos uma obra de Platão prefaciada por Sócrates, ou uma de Aristóteles introduzida por Platão. Embora existam críticas duras de Aristóteles a Platão e refutações deste sobre as teses de Parmênides, seu pai espiritual, não temos essas introduções históricas.

Wittgenstein: A Revolução do Tractatus

O “Tractatus”, de Wittgenstein, levanta dúvidas fundamentais sobre toda a filosofia. Segundo ele, a filosofia parece estar baseada num erro e repleta de enunciados que, no fundo, nada dizem. Para Wittgenstein, a história da filosofia descansa sobre um erro ou, pior ainda, sobre a ignorância da natureza da linguagem. Ele sugere que os autores das obras clássicas que constituíram a história da filosofia não sabiam propriamente de que estavam falando. Ou, para dizer de outro modo, estavam iludidos a respeito dos problemas sobre os quais se debruçaram. Veja um trecho citado por Russell do “Tractatus” (proposição 4.003):

“A maioria das proposições e questões que têm sido escritas sobre assuntos filosóficos não são falsas, mas carentes de sentido. Não podemos, portanto, responder questões como essas de forma alguma, mas unicamente estabelecer sua falta de sentido.”

Segundo o jovem Wittgenstein, as teses filosóficas, na sua maior parte, nada dizem. Aparentam dizer alguma coisa, mas não dizem nada. É por isso que não podem ser nem verdadeiras nem falsas. Pois só pode ser verdadeiro ou falso um enunciado que refira à realidade. O que não a refere, simplesmente, não diz nada. Em outras palavras, a maior parte das coisas ditas pelos filósofos do passado não faz sentido algum. Perceba-se a radicalidade da tese do filósofo austríaco, pois, para ele, os grandes filósofos estavam, como se diz em linguagem popular, completamente “por fora”. Wittgenstein continua naquela proposição 4.003:

“A maior parte das questões e proposições dos filósofos resulta do fato de que nós não entendemos a lógica da nossa linguagem. Elas são do mesmo tipo que a questão de se o Bem é mais ou menos idêntico ao Belo.”

A Ignorância da Lógica da Linguagem

Para Wittgenstein, não só os grandes filósofos do passado não entenderam a lógica da linguagem. A maioria das questões filosóficas, de qualquer época, não faz sentido porque todos nós, não unicamente eles, não entendemos a lógica da linguagem. Em outras palavras, o desconhecimento da estrutura lógica da linguagem, compartilhada por antigos, modernos e contemporâneos, está por trás não só da atitude equivocada que levou os filósofos a escreverem todos esses tratados repletos de enunciados sem sentido, mas também dos erros que cometemos hoje. Assim, resulta que a humanidade teve de esperar Frege, Russell e Wittgenstein para que se soubesse realmente do que estamos falando! Ou, então, se estamos realmente falando de alguma coisa e fazendo sentido ou não.

A crítica de Wittgenstein à filosofia tradicional é profunda. Ele argumenta que muitos dos debates filosóficos são, na verdade, pseudo-problemas que surgem do mau uso da linguagem. A filosofia, segundo ele, deve esclarecer os limites do que pode ser dito significativamente, e não se perder em discussões sem sentido. Essa perspectiva coloca em xeque a validade de grande parte da tradição filosófica, sugerindo que muitos dos maiores pensadores estavam, na verdade, envolvidos em mal-entendidos linguísticos.

Artigos mais visitados:

O Impacto Duradouro do Tractatus

Pareceria improvável, para quem não tenha pensado bem no assunto, que alguém pudesse fazer sucesso mantendo teses como as que acabo de reproduzir, ou que uma obra em que se diz que praticamente todas as grandes mentes do passado não sabiam realmente do que estavam falando pudesse ter alguma influência e ser levada a sério. Mas foi isso que ocorreu. O “Tractatus” é uma das obras mais influentes do século XX e influenciou muitos pensadores que, posteriormente, fizeram grandes contribuições para a história da filosofia. Paradoxalmente, a filosofia não se faz só por meio do resgate do passado, mas, como no caso de Wittgenstein, pela sua negação radical.

O “Tractatus” inaugurou uma nova era na filosofia analítica, inspirando filósofos a focarem na linguagem e na lógica como meios para resolver problemas filosóficos. Wittgenstein posteriormente revisou muitas de suas ideias no “Tractatus” em sua obra “Investigações Filosóficas”, onde adotou uma abordagem mais flexível e menos dogmática sobre a linguagem. No entanto, a influência do “Tractatus” persiste, especialmente na forma como moldou o curso da filosofia analítica e na forma como problematizou a tarefa filosófica tradicional.

A obra de Wittgenstein representa um convite à reflexão sobre a natureza da linguagem e a tarefa da filosofia. Seu impacto continua a ser sentido, provocando debates sobre o significado, a verdade e os limites do que podemos expressar e compreender. Wittgenstein nos desafia a reconsiderar o que realmente importa na busca pelo conhecimento e na tentativa de entender o mundo ao nosso redor.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *